Irmão do procurador de Justiça Agenor Dallagnol, ele defende acusados de fraudes e grilagem no Mato Grosso e é peça-chave na territorialização da família na região; ele advoga para o “rei do algodão” José Pupin, que já esteve na lista suja do trabalho escravo
Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho
O advogado Xavier Leonidas Dallagnol é tio do procurador da República Deltan Dallagnol, chefe das investigações na Operação Lava Jato. Radicado no Mato Grosso, ele não é conhecido na região pelo parentesco, mas pela atuação em processos polêmicos. Além de representar a família e o pai de Deltan (o procurador de Justiça Agenor Dellagnol) perante a Justiça e fazer a gestão das propriedades rurais do clã Dallagnol no estado, ele é advogado em diversos processos do empresário José Pupin, que já foi chamado de “o rei do algodão”, atualmente com sua empresa agropecuária em recuperação judicial.
Fazenda no Mato Grosso é pivô de denúncias que vão além da agropecuária. (Imagem: Google Earth) |
De Olho nos Ruralistas conta, em série sobre as propriedades rurais da família Dallagnol no Mato Grosso, como eles adquiriram um megalatifúndio em Nova Bandeirantes, no noroeste do estado, e como foram beneficiários de uma desapropriação – ainda em disputa – pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra): “Incra diz que desapropriação de R$ 41 milhões no MT que beneficiou pai, tios e primos de Deltan Dallagnol foi ilegal“.
O próprio Xavier Dallagnol e sua filha, Ninagin Dallagnol, estão entre os beneficiários da desapropriação. Ele é um dos membros do clã flagrados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) com prática de desmatamento: “Três tios de Deltan Dallagnol figuram entre desmatadores da Amazônia”.
As dívidas da JPupin – empresa de José Pupin – em impostos e condenações trabalhistas superam R$ 1,3 bilhão. O fazendeiro foi incluído na lista suja do trabalho escravo em 2004, depois de um grupo móvel de fiscalização ter encontrado 56 trabalhadores em situação análoga à escravidão na Fazenda Marabá, em Campo Verde (MT). Em Santo Antônio do Leverger, trabalhadores de uma das fazendas do grupo paralisaram a colheita, em janeiro, pois não recebiam salário havia dois meses.
A Fazenda Marabá foi arrematada em leilão neste ano por Eraí Maggi, primo do ex-ministro da Agricultura e ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi. O grupo de Eraí, o Bom Futuro, pagou R$ 41 milhões pela propriedade, leiloada por conta de uma dívida com o banco ABC. O lance inicial era de R$ 64,4 milhões, mas não houve interessado em pagar tal valor. O leilão da propriedade já havia sido marcado em 2017, mas Pupin conseguiu na Justiça de São Paulo, na ocasião, uma reintegração de posse. Outras propriedades do empresário também foram a leilão.
FAZENDA DE PUPIN SERIA GARANTIA PARA COMPRA DE SENTENÇAS
A Operação Ararath, que teve início em 2013 e somou doze fases até 2016, chegou a encontrar indícios de que José Pupin e Xavier Dallagnol tiveram conversas com um suposto lobista, o advogado Tiago Vieira de Souza Dorileo, para a compra de sentenças. No caso, Pupin era acusado de dar como garantia uma fazenda com o registro fraudado para obter um empréstimo de US$ 100 milhões. A propriedade é a mesma em que foi constatado o trabalho escravo.
Bem-vindos à fazenda que esteve em lista suja do trabalho escravo. (Foto: Divulgação) |
Foram apontadas conversas de Dorileo com Pupin e Xavier Dallagnol. Os dois também teriam conversado sobre assuntos relativos ao caso com um juiz aposentado e um juiz federal da ativa. Leia mais em reportagem do Centro Oeste Popular: “Operação Ararath captou indícios de compra de sentença por José Pupin; empresário tem negócios em Paranatinga“.
O processo envolve mais um paranaense polêmico, o empresário Rovilio Mascarello, acusado de ter participado das fraudes. Nascido em Cascavel e dono de uma empresa fabricante de ônibus e carrocerias, Mascarello é investigado por grilagem de terras na região do Matopiba, mais especificamente no Maranhão e Piauí. Pupin e Mascarello fariam parte de uma “indústria da grilagem“.
A operação buscava pagamentos irregulares feitos pelo governo do Mato Grosso a empreiteiras e investigou deputados, conselheiros do Tribunal de Contas, um ex-prefeito de Cuiabá e um ex-governador. Dorileo já havia sido investigado na Operação Asafe, de 2010, sobre venda de sentenças. A absolvição de Tiago em primeira instância fez o Ministério Público apresentar reclamação ao Conselho Nacional de Justiça contra o juiz.
Pupin e Dorileo também são acusados, em uma ação da família do empresário Josué Corso, de ter negociado irregularmente uma fazenda avaliada em R$ 50 milhões. Assim como Pupin e Mascarello, Corso também é acusado de envolvimento com a grilagem de terras no Mato Grosso e em outros estados.
O procurador Deltan Dallagnol não respondeu às perguntas enviadas à assessoria de imprensa da Procuradoria Regional da República no Paraná até o fechamento desta reportagem. Seu tio Xavier Dallagnol, principal pivô das disputas no Mato Grosso, filiado ao PSD em Cuiabá, foi procurado em seu escritório, mas não retornou as ligações.
A DOCE VIDA DE MASCARELLO, OUTRO DEFENDIDO POR XAVIER
Quem vê o estilo bon vivant de Rovílio Mascarello não desconfia do enorme rol de processos criminais que pesam contra o dono de um dos maiores grupos empresariais do Paraná. Em 2015, Xavier Dallagnol figurava como um de seus advogados, em processo movido pelo Ministério Público Estadual contra Mascarello e José Pupin, entre outros, referente a uma acusação de improbidade administrativa supostamente praticada por um oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Paranatinga (MT).
Bon vivant: Rovílio Mascarello leva sua Ferrari para uma volta em Cascavel. (Foto: Reprodução) |
O Grupo Mascarello foi fundado em Cascavel a partir da Comil, uma indústria metalúrgica fabricante de silos e secadores de grãos. À frente dos negócios da família, Rovílio e sua esposa, Iracele Maria Crespi Mascarello (outra que figura na ação relativa ao cartório de Paranatinga), conduziram a expansão do conglomerado, com a entrada no ramo imobiliário e a criação da primeira fábrica de ônibus do Paraná.
Em 2002, o patriarca dos Mascarello anunciou o divórcio. Deixou a administração da Comil com sua filha Kelly, então com 18 anos, para ter mais tempo de namorar e passear com sua Ferrari. Apareceu até no Fantástico como exemplo de “vovô galanteador”. Mesmo em meio a essa dolce vita, Rovílio Mascarello nunca perdeu o gosto pelas terras.
Ele voltou a ser denunciado em dois casos recentes. No Pará, foi acusado de se apropiar ilegalmente de 1,2 milhão de hectares sobrepostos a unidades de conservação federais no município de Altamira. No Mato Grosso, associou-se ao “rei do algodão”, José Pupin, em um esquema de fraude na apropriação de uma fazenda de 15 mil hectares em Jaciara, alienada ao fundo estadunidense MetLife Investments. É esse o processo em que Xavier Dallagnol aparece como um de seus defensores.
Em 2014, Mascarello foi indiciado por estupro de vulnerável em Cascavel. As vítimas tinham entre 13 e 17 anos. Segundo a mãe de uma delas, ele oferecia dinheiro e imóveis em troca da virgindade. Alheio às denúncias, Mascarello considera-se um self-made man. “Embora eu tenha concluído apenas o primário, consegui tudo com muita força de vontade, honestidade, economia, perseverança, sorte e fazendo o negócio certo na hora certa”.
REDE DE GRILAGEM SE ESTENDE PELO MATOPIBA
Em 2013, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal do Piauí iniciaram uma investigação para apurar crimes contra a ordem tributária e sonegação fiscal cometidos em movimentações financeiras no sul dos estados do Maranhão e Piauí – região do Matopiba. As suspeitas tiveram início após um saque em espécie no valor de R$ 8,3 milhões, realizado no dia 14 de setembro de 2012, na boca do caixa de uma agência do Banco do Brasil em Teresina, cujo valor havia sido depositado dias antes pela RM Imóveis Ltda, da qual Rovílio Mascarello é sócio. Desta vez, sem o tio de Dallagnol como advogado.
Falecido em junho, Euclides de Carli foi denunciado como principal grileiro do Matopiba. (Foto: Reprodução) |
De acordo com o MPF no Piauí, a empresa movimentou mais de R$ 18 milhões de forma atípica. A sequência das investigações desvendou uma teia de grilagem de terras no Piauí, envolvendo o paulista Euclides De Carli, falecido no mês passado. Com longa atuação em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, De Carli começou sua expansão rumo à “última fronteira agrícola”, o Matopiba, ainda nos anos 1990, com a instalação da Colonizadora De Carli, a Codeca, no município de Balsas, no sul do Maranhão, onde estima-se que controle mais de 1 milhão de hectares, área equivalente ao território do Líbano.
No Piauí, consolidou sua fama de “maior grileiro da região”. Em 2016, o juiz Heliomar Rios Ferreira, da Vara Agrária de Bom Jesus, decretou o bloqueio de mais de 124 mil hectares em terras adquiridas irregularmente por De Carli. O magistrado é alvo constante de ameaças de morte por sua atuação contra os grileiros no sul do estado. Em 2012, o deputado estadual Manoel Ribeiro (PTB-MA) apresentou denúncia à Ouvidoria Agrária Nacional, acusando De Carli de grilagem e desmatamento ilegal de 11 mil hectares de mata nativa. Também o acusava de ser o mandante do assassinato do camponês José Antonio Lopes, cujas terras haviam sido tomadas pela Codeca.
O caso mais famoso envolvendo De Carli foi trazido à tona em 2015, em uma publicação da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e da Grain, relatando que o fundo de pensão privado dos professores universitários dos Estados Unidos, o TIAA-CREF (do inglês, Teachers Insurance and Annuity Association – College Retirement Equities Fund) utilizou uma empresa aberta no Brasil, a Radar Propriedades Agrícolas, para comprar fazendas em uma área grilada pela Colonizadora De Carli ainda nos anos 1990.
Criada em parceria com a gigante sucroalcooleira Cosan, a Radar controla hoje 280 mil hectaresem nove estados brasileiros. O valor das terras é estimado em R$ 5,7 bilhões. Um antigo diretor-presidente da Radar, Collin Butterfield, foi um dos dois principais fundadores do movimento Vem Pra Rua, articulador internacional do impeachment de Dilma Rousseff. (Colaborou Bruno Stankevicius Bassi)
Foto principal: Operação Ararath (Reprodução)
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